Algazarra jurídica

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Por Carlos José Marques

O Brasil testemunhou uma presepada das grandes no último domingo. O que foi aquilo? Um juiz imbuído de um desejo irrefreável, que superava a própria lógica legal e a determinação do tribunal que representava, persistiu na tentativa de livrar Lula da cadeia a qualquer custo. Aos berros, ligou aos policiais que cuidavam da guarda do preso e exigiu que a sua ordem fosse prontamente cumprida. A alegação no despacho era pueril, para não dizer bizarra. O desembargador Rogério Favreto falava em “fato novo”, referindo-se à candidatura do petista – de mais a mais já promovida inadvertidamente há meses, antes mesmo de sua condenação em duas instâncias – e resvalava na ignorância ou má fé (ou nos dois) ao desconsiderar que pré-candidatura não constitui figura jurídica cabível. No extremo, dava a senha para que todos os presidiários desse Brasil varonil encontrassem o caminho da libertação: lancem sua candidatura e ganhem a alforria! Piada? Não. O fato pode estar mais ligado ao voluntarismo partidário que parece acometer alguns membros das cortes por aqui. A sociedade virou refém de um manicômio judiciário. Decisões monocráticas em discordância com deliberações colegiadas e outras com evidente apelo político – pautadas por situações no mínimo inquietantes – estão colocando no lixo a credibilidade da instituição que diz zelar pela justiça. Em plantão, Favreto deu pronto atendimento a um pedido de antigos correligionários e chapas de trabalho no processo que foi enviado, calculadamente, para cair em suas mãos. Ele deveria se declarar impedido de tratar o assunto, dado os vínculos inegáveis. Mas não. Extrapolou as próprias atribuições. O desembargador incorreu no delírio de rever uma ação que já havia sido julgada no mesmo tribunal. Por três vezes, insistiu no alvará de soltura tão ilegal como imoral. Acabou classificado como “incompetente” por vários superiores e pelo próprio STJ. Inúmeros processos disciplinares contra ele estão sendo abertos, sob a alegação de tentativa de violar a ordem, dada a excepcionalidade do julgamento proferido. O episódio lhe custou um constrangimento sem precedentes. Promotores e procuradores o acusam de “ativismo judicial pernicioso”. Inexplicável como alguém deliberadamente enxovalha a própria reputação com uma patacoada dessa. De notórios laços com o PT, Favreto foi por quase duas décadas filiado ao Partido, auxiliou os governos Lula e Dilma e nutria uma indisfarçável admiração pelo líder petista. Logo após a sua decisão de emitir o habeas corpus, o demiurgo de Garanhuns arrumou as malas. Vídeos previamente gravados dos cupinchas, José Dirceu e Gleisi Hoffmann, foram divulgados saudando a manobra e comemorando a soltura que, por pouco, não ocorreu. A festa era organizada por simpatizantes. A patifaria petista estava prestes a se consagrar. Dessa vez interrompida a tempo. O plano mal velado da turma é investir sistematicamente na desordem, na desmoralização do Judiciário e na bagunça pelas ruas para manter o clima de beligerância até as urnas. Desde o sinal verde de Favreto, nada menos que 143 HCs a favor de Lula entulharam os escaninhos do STJ. Todos negados. A juíza-presidente Laurita Vaz lembrou com propriedade que o Tribunal não é “balcão de reivindicação”. Lula, assim mesmo, tem sido aquinhoado com uma boa dose de benevolência por parte da Justiça brasileira. Seus processos e pedidos são analisados com uma urgência e atenção poucas vezes vistas em outros casos. Vários são os amigos do “Rei” que insistem em lhe prestar vassalagem, com gestos e decisões dignos de suspeição e críticas de parcialidade. Foi assim no caso da liberação do também condenado em duas instâncias, José Dirceu, pela Segunda Turma do STF, após a plenária do Tribunal estabelecer que réus nessa condição devem permanecer recolhidos na cadeia. Favreto não está, portanto, isolado no seu afã de auxílio aos petistas. Suas ignomínias são repetidas quase diuturnamente em tribunais País afora. Afinal reina a desordem entre magistrados. E há novidades pela frente: o Supremo sob o comando do ministro Dias Toffoli, que assume a presidência em setembro próximo, deve empreender uma correlação de forças, digamos, mais maleável às intenções petistas. Toffoli entrará para os anais com um inevitável questionamento ao seu currículo: como um sujeito que foi, por duas vezes, reprovado no concurso para juiz de direito pode assumir o mais alto posto no principal tribunal do País? Além da inapetência apontada pela banca examinadora, Toffoli carregará o peso da suspeição sob seu passado. Nomeado ao Supremo pelo ex-presidente Lula, depois de trabalhar no próprio governo e de ter sido advogado do PT, Toffoli não tem se furtado a conceder votos invariavelmente favoráveis à agremiação que, por anos a fio, defendeu. São tempos realmente nebulosos esses, a turvar o futuro dos poderes constituídos. Nas três esferas (no Judiciário, no Legislativo e no Executivo) a balbúrdia impera. No caso das cortes, se uma segunda turma do Supremo transforma jurisprudência colegiada em mera letra morta, quem há de obedecer a Lei?

Foto: Adriano Machado / AG. ISTOÉ

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