Governo Temer: Discurso X Prática

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A paralisação dos caminhoneiros mal acabou, mas seus estragos sinalizam para o esvaziamento do governo Michel Temer (MDB). À frente de um mandato-tampão com baixa popularidade, o presidente se propôs a fazer “as reformas de que o Brasil precisa”, mirando o controle da inflação, a volta do emprego e a retomada do crescimento. Todavia, o emedebista terminou abatido pela sua “tentativa de governar”, numa clara incompatibilidade entre o projeto de poder e a agenda econômica. Buscando se viabilizar eleitoralmente, Temer quis conciliar sua imagem ao esforço de superação das crises econômica, política e de credibilidade institucional, algo que, flagrantemente, não deu certo.

Diversos analistas classificaram a condução de Temer em relação à crise dos combustíveis como “claudicante”. Em outras palavras, conforme o dicionário, uma condução incerta, duvidosa, vacilante. Claudicante também é “aquele que falta a seus deveres; que comete erro de ofício”. Essa perspectiva ilustra os rumos tomados pelo chefe do Executivo. 

Ao assumir a Petrobras em 1º de junho de 2016, Pedro Parente – que deixou o cargo na última sexta – prometeu o “fim da influência política” na estatal, em antítese à política de preços do Governo Dilma. Esse foi o tom da gestão econômica do Palácio do Planalto nos últimos dois anos, pelo menos no plano do discurso. Essa opção se materializou nas escolhas estratégicas de Parente para a Petrobras, Henrique Meirelles (MDB) na Fazenda e Ilan Goldfajn no Banco Central. Um claro aceno para o “povo do mercado”.

Entre os personagens principais da crise, Pedro Parente defendeu a todo custo a independência da Petrobras da influência do Planalto. “Parente entrou na Petrobras para satisfazer investidores e acionistas e não falhou nesse quesito. Mesmo tendo saído do cargo, ele não ficou queimado. O mercado entendeu que Parente, Meirelles e Goldfajn cumpriram seus papéis. O ônus todo recai sobre Temer”, avaliou o professor de Ciência Política da Unicap, José Mário Wanderley Gomes.

A gestão de Parente trouxe lucratividade à Petrobras, após vários anos de prejuízos estratosféricos. Contudo, na avaliação de José Mário Wanderley, a mudança brusca na política de preços trouxe efeitos sensíveis à população.

“Você sai de uma política populista, onde o Planalto controlava e fazia uso político da estatal, e entra no livre mercado, fazendo a estatal agir pró-mercado, atrelando o preço dos combustíveis à variação do dólar e do preço do barril de petróleo”, explica o cientista. Essa equação, bancada por Parente e avalizada até poucas semanas por Temer, fez o preço do combustível explodir, agora, num momento desfavorável da economia internacional. Foi quando a agenda econômica deixou de ser bandeira e passou a ser o “calcanhar de Aquiles” do Governo Federal. A escalada da paralisação produziu um desabastecimento numa dimensão distópica: ruas desertas e sem transporte público, longas filas nos postos de gasolina, transtorno na prestação de serviços públicos, levando cidades e até estados a decretarem “situação de emergência”, além dos prejuízos bilionários ao comércio e à indústria.

Confrontado com esse ambiente aterrador, o presidente se viu acuado por um movimento difuso de uma categoria que se mostrou estrutural para o abastecimento e a economia brasileira. Incapaz de negociar, Temer se viu obrigado a contrariar Pedro Parente, o que custou sua cabeça. José Mário Wanderley afirma que, se o governante gozasse de alta popularidade, a mobilização dificilmente ganharia a proporção que teve. “Temer foi vítima da dependência estrutural de rodovias para o abastecimento e também da sua impopularidade. Ele quis vender uma agenda econômica que não era inteiramente capaz de controlar”, argumenta o pesquisador.

O curso de 10 dias de instabilidade evidenciou, também, a ameaça de esvaziamento da autoridade institucional da Presidência da República. Mesmo cedendo a todas as exigências econômicas da categoria, a crise não debelou, o que desautorizou Temer e seus interlocutores (os ministros Eliseu Padilha, Carlos Marun e Moreira Franco) perante a opinião pública. “Não é necessariamente um problema a figura de Temer desmoralizada, mas a instituição ‘Presidência da República’ desmoralizada, o Executivo desmoralizado, sim. É problemático que, mesmo mudando o presidente, haja o risco de desrespeito à autoridade presidencial”, avalia o cientista político.

Anti-sistema – Ainda é cedo para avaliar o trauma sofrido pela população, apesar das cifras divulgadas nos últimos dias apontarem um prejuízo catastrófico. “O que dá pra sentir é que a população, refém dos efeitos da paralisação, se viu apoiando o movimento mais pra se ver livre da situação do que necessariamente entendendo o que aconteceu. Boa parte das coisas aprovadas na pauta eram medidas impopulares que seriam rejeitadas em outro contexto, afinal nós vamos pagar a conta do reajuste do diesel”, afirmou José Mário. “Essas medidas foram aprovadas para tirar a corda do pescoço, o parlamentar que fosse contra seria o cara que deixou a população desabastecida”, apontou.

Esse dado ficou evidente na leitura – feita por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) – das redes sociais durante a crise dos combustíveis. Foram 8,5 milhões de tuítes nesse período de paralisação, onde havia um apoio às demandas da greve, mas com críticas às respostas dadas pelo governo. “Como solução, muitos indicam cortar as ‘mordomias’ dos políticos e indicam, usando a hashtag #NaoTemAcordoComCorrupto, que se recusam a pagar a conta enquanto o governo mantiver tais gastos”, aponta o estudo. A conclusão é de que as redes sociais deram suporte às motivações, mas rejeitaram o saldo final da greve.

A impopularidade de projetos políticos tradicionais, a exemplo de Dilma Rousseff e Michel Temer, nesse sentido, reforça a escalada de manifestações anti-sistema, representados na paralisação por atores da extrema-direita. Uma mostra desse sentimento é o engajamento do site do movimento Vem pra Rua, que chegou a ter 2 milhões de acesso.

Por outro lado, o cientista político Leon Victor Queiroz, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), acredita que a criminalização da política só agrava a crise que vivemos. “As pessoas são imediatistas e acreditam que a política tem que resolver seus problemas da noite para o dia. Não é assim que funciona, e o processo educacional nosso não educa os cidadãos a entenderem o que é a política e o quão necessária ela é para nossas vidas”, adverte. Os principais atores lembrados na web durante a crise econômica foram o deputado Jair Bolsonaro (PSL), o ex-presidente Lula (PT) e o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT). Bolsonaro teve maior engajamento nos perfis à direita, mas foi criticado ao se manifestar contrário à continuidade dos bloqueios. Lula foi citado por conta da gestão petista à frente da Petrobras, tanto para criticar, quanto fazendo memória positiva sobre sua política de preços. Ciro Gomes, por sua vez, apareceu por conta da entrevista dada ao programa Roda Viva, durante o período de paralisação, em que teceu críticas ao Governo Temer.

O cientista político José Mário Wanderley Gomes adverte que só será possível saber qual candidato capitalizou os anseios da crise dos combustíveis assim que uma nova pesquisa eleitoral for realizada. “De uma forma geral, os presidenciáveis perceberam que quem arriscou tomar posição, viu que era roubada. A gente tá vivendo momentos de pautas muito fragmentadas e isso dificulta uma adesão a qualquer discurso”, aponta. “A corrida presidencial está muito aberta pelo fato de que quem entrar não vai ser continuidade de nada. O governo acabou e há fortes chances de o candidato do MDB não prosperar diante da rejeição que se apresenta”, pondera.

FolhaPE

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