A luta pelo respeito e valorização da histórica relação de um povo com a terra

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“Não é preciso ver, para enxergar a injustiça que estão fazendo com o nosso povo”. A declaração é de Fernanda Antônia Bezerra, deficiente visual, moradora da comunidade Bem Querer de Baixo, no município de Jatobá, no Sertão de Pernambuco, que desde 1994 é ameaçada de expulsão por um Decreto Judicial, que considerou que essas terras são dos índios Pankararu. Com um filho de pouco mais de um ano, uma mãe idosa e uma irmã com problemas de saúde, ela afirma que quer respeitar a decisão da Justiça, mas com dignidade. Juntamente com outras 301 famílias agricultoras familiares não-índias, que vivem no local e nas comunidades Bem Querer de Cima, Caxiado e Caldeirão, numa área total de pouco mais de 3 mil hectares, ela luta para ser reassentada e ter uma indenização justa, como está previsto no próprio Decreto, assegurando as condições necessárias a sobrevivência de sua família.

Agricultores e agricultoras familiares dessas comunidades, que produzem, entre outras coisas, mandioca, feijão, milho, caju, frutas nativas, como murici e umbu, tudo de forma agroecológica; e onde há uma pequena agroindústria de polpa de frutas, coordenada por mulheres, afirmam que são herdeiros de pessoas que há mais de 300 anos habitaram essas terras, sempre de forma pacífica e respeitando a comunidade indígena.

No entanto, desde o início do ano, o medo começou a aterrorizar a vida dessas famílias, pois houve uma ordem do Juiz Felipe Mota, da 38ª Vara Federal, expedindo mandado de desocupação da área. Apesar da consciência de que precisam sair do local, as famílias estão vivenciando vários dilemas. O primeiro é que aguardam a indicação do Incra sobre as terras em que irão ser assentadas; o segundo é que consideram a indenização proposta pela Funai injusta e totalmente fora da realidade da região; e o terceiro é que nenhum dos dois órgãos reconhecem os direitos da totalidade das famílias, isto é, dizem que o número de pessoas que serão reassentadas e receberão recursos indenizatórios é bem menor (a Funai aponta 177 e o Incra,154).

“Somos todos e todas descendentes de pessoas que viveram e produziram nessas terras. Não podemos sair só pensando em nós mesmos. Temos que respeitar esse coletivo, essas comunidades que sempre caminharam juntas. Por isso, as pessoas que foram citadas pela Funai, para receber indenizações, inclusive com valores não corrigidos, não aceitaram. Queremos o acesso de todas as comunidades a esse recurso.  Isso, sem contar, que a nossa luta é para que sejamos reassentados aqui mesmo, em nosso município, e em terras produtivas, pois queremos plantar e garantir a nossa própria renda, como sempre fizemos”, afirma o agricultor Eraldo José de Souza.

A agricultora familiar Isabel Cristina da Silva lembra que muitas foram as mobilizações realizadas pelas quatro comunidades, para buscar resolver a situação. Também foram promovidas audiências públicas na Câmara de Vereadores. “Em todas elas, estivemos presentes para mostrar os nossos argumentos, a nossa indignação, o nosso sofrimento.  Alguns índios chegaram até a afirmar que estavam sendo ameaçados por nós, inclusive com o CIMI [Conselho Indigenista Missionário} divulgando nota pública sobre o assunto. Mas não conseguiram provar, porque não é verdade. Queremos os nossos direitos, o respeito e a valorização da nossa história, mas não vamos, para isso, violar o direito deles”, relata.

O impacto da sentença de desocupação chamou tanto a atenção, que um grupo iniciou uma campanha, na internet, com a hashtag  #NãoSouPosseiro #SouHerdeiro, com o objetivo de divulgar a situação em que se construíram essas comunidades e a realidade dos fatos. A campanha ganhou tanta notoriedade que até alguns habitantes indígenas expressaram sua solidariedade aos não-índios.

As famílias afirmam que essa história não pode ser comparada a dos povos indígenas da Amazônia e outras regiões, que tiveram suas terras invadidas por grileiros e grandes fazendeiros. Aqui, está sendo discutido o direito de pessoas que chegam a ser a 7ª geração de habitantes dessas comunidades, que nasceram e vivem nessas localidades, construindo laços culturais fortes com as terras que habitam.

Atualmente, as famílias agricultoras não-índias estão aguardando que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região aprecie o agravo de instrumento (Processo 00011642820174050000), que elas ajuizaram, no mês de outubro, pedindo a anulação da decisão do juiz sobre a desapropriação, e mostrando que o Incra não cumpriu o seu papel de encontrar terras adequadas para o reassentamento das comunidades.

Entenda melhor

A demarcação das áreas indígenas, correspondentes ao conjunto de aldeias da etnia Pankararu, ocorreu, em princípio, no ano de 1940, quando o Serviço de Proteção Indígena (SPI) reconheceu uma área de 8.100 hectares de terra. Porém, as lideranças indígenas sempre reivindicaram uma área maior que, na época, englobavam um conjunto de comunidades de agricultoras rurais residentes na área sul das terras demarcadas, que ficavam situadas no município de Jatobá – PE.

A habitação, por parte de agricultores familiares da área rural, remota ao final do século XVIII, com a vinda de imigrantes para colonizar e trabalhar no interior da capitania de Pernambuco e São Vicente, que hoje corresponde ao estado de Pernambuco. Segundo relatos orais de anciãos das comunidades, essas terras foram habitadas de maneira pacifica e ordeira, já que estavam inabitadas.

Por mais de 200 anos, os habitantes indígenas do aldeamento de Brejo dos Padres e os agricultores familiares das comunidades rurais viveram em perfeita harmonia e respeito. Porém, com a demarcação pelo SPI, em 1940, e a homologação em 1987, por parte da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), instalou-se um clima de medo e apreensão sobre uma possível expulsão dos habitantes de suas terras nativas. O medo perdurou e, no mês de fevereiro deste ano, durante uma Audiência na Vara Federal de Serra Talhada, foi assinalado o prazo de um ano para a desocupação.

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