Uma nova era da política de segurança pública

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foi simbólico o gesto do presidente Jair Bolsonaro (PSL), quando assinou, na última terça, o decreto que facilita a obtenção da posse de armas. Analistas consideram que a pauta da segurança pública, que se sobressaiu no discurso bolsonarista durante toda a campanha, é o que vai predominar nos primeiros meses de governo – porque influencia a popularidade.

A medida agradou a base de apoio do presidente, mas soou tímida para ativistas, parlamentares ligados à bancada da bala e para o mercado armamentista, diante dos desafios de ordem burocrática que a gestão pública impõe à implementação de determinadas agendas. Descomplicar o acesso do cidadão comum a armas de fogo é uma “resposta” aos números alarmantes da violência no Brasil, mas não é uma medida eficiente contra o problema, de acordo com especialistas no assunto.

O combate à violência está entre as três prioridades que o governo deve ter, segundo pesquisa de opinião feita pelo Ibope/CNI. A flexibilização do Estatuto do Desarmamento foi uma promessa de campanha do pesselista, que, nesse sentido, pretendia fazer o oposto do que ocorreu nos governos petistas – onde o acesso a armas foi dificultado. Agora, a expectativa da cúpula governista é que oito milhões de armas sejam legalizadas, com a licença estendida por 10 anos. Antes, elas valiam pela metade do tempo.

Facilitada pela nova legislação, a posse significa que o proprietário pode manter a arma apenas no interior da sua casa ou no seu local de trabalho, desde que seja o responsável legal pelo estabelecimento. “Por muito tempo, coube ao Estado determinar quem tinha ou não direito de defender a si mesmo, à sua família e à sua propriedade. Hoje, respeitando a vontade popular manifestada no referendo de 2005, devolvemos aos cidadãos brasileiros a liberdade de decidir”, afirmou Bolsonaro, no Twitter.

O porte, por sua vez, é a autorização para transportar e carregar a arma consigo, fora de casa ou do local de trabalho. Para obtê-lo, é preciso demonstrar a necessidade, por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física. Para mudar a legislação sobre o porte, Bolsonaro deverá encontrar resistências no Congresso. Dando um sinal de alerta ao governo, o presidente da Câmara e candidato à reeleição, Rodrigo Maia (DEM), reconhece que a agenda armamentista foi vitoriosa nas urnas, mas diz que é preciso cuidado para não passar a impressão de que essas medidas resolverão o problema da violência.

O professor de Relações Internacionais da UnB, Juliano Cortinhas, explica que esse discurso das armas tem um apelo forte à uma parcela da população que acredita num discurso conservador, de diminuição do tamanho do Estado. “É muito preocupante que estejamos comprando a cultura da violência pra conter a violência“, alerta. O analista refere-se às pretensões que vêm sendo mencionadas de que o Brasil deve imitar a legislação dos EUA sobre armas. O país tem a maior taxa de armas por habitante do mundo.

Para o cientista político Rudá Ricci, o discurso da liberdade de posse de arma parece uma tentativa de formação de opinião, uma vez que, na sua visão, o brasileiro tem um perfil conservador. “Nos EUA quem tem que defender sua própria propriedade é o proprietário, isso é visto nos filmes, mas para nós essa visão soa estranha”, alega. “Quando Bolsonaro flexibiliza a legislação, reproduz a lógica libertária dos EUA, que são totalmente anti-estado, acham que ele atrapalha“.

O sociólogo e coordenador do Núcleo de Estudo da Violência da USP, Sérgio Adorno, adota uma visão de que a violência no Brasil é fruto das desigualdades sociais. Para ele, o estado precisa trabalhar para que o direito à vida seja universalizado, sem que determinados grupos tenham mais direitos do que outros. “É preciso reduzir os desfechos violentos para conflitos sociais que, muitas vezes, são legítimos. Não pode haver essa visão de ‘deixar morrer para que outros vivam“, alega. “O brasileiro precisa compreender que, para eu ter paz, os outros também precisam ter paz“, conclui.

Ulysses Gadêlha – FolhaPE

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