Aos 56 anos Rádio Rural AM “morre” e migra para FM

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Por: Ney Vital

Na tarde da segunda-feira (6) foi anunciada a “morte da Rádio Emissora Rural a Voz do São Francisco, em Amplitude Modulada. Fundada no dia 28 de outubro de 1962, a Rádio agora passa a transmitir na FM (Frequência Modulada).

A Emissora Rural AM, considerada Voz do São Francisco era a rádio mais antiga da região. O sinal da emissora na época mais áurea chegou a todos os municípios do sertão e até no exterior.

Na frequência AM foi considerada um dos marcos do Movimento Eclesial de Base contribuindo com a educação e diretrizes de alfabetização. Este foi um dos mais fortes vínculos educativos prestados através do Rádio.

Em nota a diretoria da Rádio Rural FM, disse “há 56 anos o meio de comunicação anuncia Jesus Cristo a tantos espalhados pelo sertão de Pernambuco, Bahia e Piauí, alcançados pelas ondas da rádio. Agora é chegado o tempo de construir algo novo e a história vai continuar a ser escrita, agora pelas ondas da Frequência Modulada, que chega para aprimorar o trabalho de evangelização, jornalismo e música de qualidade para os ouvintes.

O técnico em Eletrônica, Edesio Nascimento, morador do Distrito de Izacolândia, distante cerca 50 km de Petrolina, declarou a reportagem deste Blog que “em FM a emissora rural ainda não ta pegando bem na localidade“.

‘Em Izacolândia próximo de Petrolina falam que vai fazer ajustes para o sinal chegar aqui. Acho importante e a Emissora Rural AM é um patrimônio de todos os pernambucanos e infelizmente estão tirando do ar dizendo que a FM vai ter o mesmo alcance. Sou técnico eletrônico acho muito difícil porque o alcance AM vai muito alem e eles com uma antena de 21 metros e 15 khz não tem como chegar nem na metade do que era a AM.”

O pesquisador Iranildo Moura, aficionado por rádio, acompanhou a implantação da AM. “O radinho na tomada e o volume no máximo garantiram a trilha sonora enquanto trabalhava. Esse negócio de escutar no celular com fone [de ouvido] é ruim para trabalhar. Não sei se vou me acostumar”, completa.

De acordo com Iranildo o mais doloroso é saber que a Rádio AM não será mais transmitido, ouvido na distancia de 60 quilômetros até na área rural.

A ideia dos empresários, com o aval do Governo Federal, é dar maior qualidade de som e mais conectividade com celulares e carros. E, com isso, ter melhor retorno de publicidade.

O efeito colateral é que a mudança ondulatória da amplitude modulada (AM) para a frequência modulada (FM) vai diminuir drasticamente o alcance, abandonando justamente o público mais dependente desse modelo: as populações das pequenas cidades, campo, sertões e florestas. Ou seja, mais convergência e menos abrangência.

A AM entra pelos lugares mais longes e vai até as comunidades ribeirinhas. Nas casas de farinha, o som é do radinho. Ele fortalece nossa identidade e traz conhecimento“, afirma a radialista e pesquisadora Rejane Soares.

Nas rádios Ams ainda tem o tradicional programa de recados. Pessoas avisando que vão chegar de viagem, quem morreu, quem nasceu. O rádio é essencial ali, e a mudança para a FM vai prejudicar essa população”, conta Daniela Ota, professora da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) que estudou as rádios da fronteira brasileira com Paraguai e Bolivia.

Ao sintonizar o AM, fica claro a onda que emerge e submerge na atmosfera ao mais leve toque. Ao mexer no volume, o alto-falante crepita. Tudo isso parece um eco do passado, mas ainda há uma força residual entre a população das classes C, D, E e nas faixas etárias acima dos 50 anos.

O sinal AM costuma percorrer, em média, o dobro ou o triplo do alcance que o FM tem – à noite é ainda maior a diferença, por conta das ondas médias baterem na ionosfera (camada que está a partir de 60 quilômetros de altitude) e voltarem para o chão.

Os efeitos da migração nas emissoras e audiências ainda não foram totalmente sentidos. Mas um grupo de 110 pesquisadores, capitaneados pelas professoras Nair Prata e Nélia , estão pesquisando as mudanças em todos os Estados e vão publicar em livro o levantamento.

O rádio AM é aquele senhor centenário que muita gente já julgava morto. Ele próprio sabe que seus dias estão no fim e se vê como um fóssil vivo ou uma peça de museu.

Seus espectros de onda, porém, ainda cruzam os ares, lembrando que há muitas coisas que existem e não se vê. Não por nada, ainda tem muita gente que coloca um copo de água em cima do rádio para ser abençoada pelas dezenas de padres ou pastores radiofônicos.

O ano de 2023 foi o prazo máximo estipulado pelo Governo Federal para o fim da TV analógica no Brasil, como condição para a existência da faixa estendida de FM.

Como 97% das emissoras do país já solicitou a migração, a tendência é que a faixa AM entre no ostracismo, o que já vem acontecendo em grande parte dos estados.

3 COMENTÁRIOS

  1. Prezado Didi, lamentável o que ocorre com este processo de migração. Morre as RádioAms e o povo mais distantes dos centros voltarao “ao tempo de sem rádio e sem noticias”.

  2. A Emissora Rural a Voz do São Francisco, pertencente à Diocese da Igreja Católica de Petrolina é um patrimônio cultural, social e político do povo de Petrolina e do Sertão.
    Criada durante o bispado de Dom Antonio Campelo do Aragão, a emissora foi responsável pelo programa de educação no campo, que funcionou corajosamente durante o período da ditador militar.
    O padre Pedro Mansueto de Lavor, menino de origem humilde, nascido em Serrita – que foi deputado estadual, deputado federal e senador da República, contrariando os interesses da oligarquia familiar dos Coelho, teve um papel fundamental na Emissora Rural, com o seu programa diário de opinião, ” De Olho no Fato”.

    Todo o Sertão Sanfranciscano, inclusive do terriitório bahiano, foi contemplado pela influência da Emissora Rural, que serviu de rádio-escola e rádio-laboratório e que sua programação chegara aos cinco continentes, mundo afora, atraves das Ondas Curtas. Cartas e mais cartas vindas do ex-terior davam conta dessa fantástica audiência.
    Era a Rádio Clube de Pernambucao, no Recife, e a Rural, em Petrolina, além da Jornal do Commercio, “Falando para o Mundo”.

    Trabalhei na Rurral nos anos 80, na companhia de Juarez Farias, Farnézio Silva, Washington Luiz, meu amigo Carlos Augusto Amariz, Vinicius de Santana e outros valorosos companheiros, de quem guardo com grande carinho o fato de termos convivido naquela rádio que tinha como vigilante noturno a figura de João do Bode, que toda meia noite tinha a missão de gravar o “Redator Chefe ” e “O Globo no ar”, da Rádio Globo do Rio de Janeiro, uma das fontes (rádio escuta) que utilizávamos nos nossos noticiosos, mesclando com o noticiário local e regional.

    Nem se falava em Internet e até o telefone era dificil, mas os meninos da Rural, sob o controle técnico de Bob e Antonio Avelar, faziam um tremendo barulho com a equipe de futebol de Teones Batista.

  3. Eu no intuito de registrar o momento do desligamento do transmissor, fui o único a filmar o momento doloroso para os ouvintes da Emissora Rural no interior. O Bispo Dom Francisco Canindé Palhano discursou diante ao aparelho e em seguida apertou dois botões do transmissor encerrando um ciclo de 56 anos da Emissora Rural nas ondas médias no dia 17 de Maio de 2019 às 17:48. O registro está disponível no meu canal do YouTube (Canal Estúdio Y)

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