Denúncias de torturas humana e estrutural no sistema carcerário marcam audiência

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Castigos, humilhações, privação de água, comida e medicamentos fazem parte da rotina de pessoas em privação de liberdade no Estado de Pernambuco. A conclusão foi apresentada em audiência pública realizada na última quinta, na Assembleia Legislativa, por representantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Coube à Comissão de Cidadania da Casa acolher as denúncias apresentadas.

Nesta semana, uma equipe de peritas da entidade vistoriou a Colônia Penal Feminina de Buíque e a Penitenciária Juiz Plácido de Souza em Caruaru, ambas no Agreste, além do Presídio de Igarassu, na Região Metropolitana, e o Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano, no bairro da Tamarineira, no Recife.

Após a escuta do relatório, a presidente da Comissão de Cidadania, deputada Dani Portela, do PSOL, defendeu a reformulação da lei referente ao Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. Segundo a parlamentar, o órgão técnico sofreu um desmonte por ocasião das exonerações promovidas no início da gestão da governadora Raquel Lyra. Ela também afirmou que a proposta do Governo de criar mais vagas no sistema prisional não soluciona a degradação verificada. “A quem interessa esconder os dados das torturas que acontecem no sistema prisional de Pernambuco nesse momento, enquanto a gente está nessa audiência? O que significa a demora para a solução de um órgão que é tão importante para a efetivação e garantia dos direitos humanos aqui no nosso estado? Até quando mães vão chorar vendo os seus filhos sendo torturados dentro das unidades prisionais no estado de Pernambuco?”

Perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Camila Antero também rechaçou a alternativa apresentada pela gestão estadual de criar mais sete mil vagas no sistema carcerário. Ela analisou que a pauta envolvendo as pessoas privadas de liberdade é “extremamente impopular”, e que um dos papéis da inspeção é o de construir empatia em relação a essa população. Existem mais de 30 mil pessoas presas atualmente em Pernambuco. “E entender que aquelas pessoas são titulares de direitos e têm que cumprir a sua pena de forma digna e constitucional. Esse projeto de ampliar ainda mais o sistema prisional pernambucano é uma ideia que não se coaduna com nenhuma perspectiva de humanização e direitos humanos.”

Na unidade de Buíque, foi constatado que existem 248 mulheres confinadas, para apenas 107 vagas. Em Caruaru, Ana Valeska Duarte, uma das inspetoras, apontou a superlotação do presídio, com 1828 pessoas presas para 774 vagas. Na unidade prisional, as pessoas dormem em nichos nas paredes ou no chão. “Às vezes até mais de uma pessoa dorme nessas gavetas. É um local, assim, que eu nunca tinha visto… foi uma coisa que nos chamou muito a atenção. E, além disso, como faltam também, às vezes, celas ou gavetas, muitas pessoas dormem também no pátio, ao léu, ali, no pátio.”

O presídio de Igarassu foi avaliado como o mais problemático, com uma lotação de 5424 pessoas para 1226 vagas, uma taxa de superlotação de mais de 400%. Segundo o órgão fiscalizador, a situação configura “tortura estrutural”, e é agravada pelos castigos irregulares. Wilma Melo, coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, chamou a atenção para o racismo nas prisões. “Que eu convido todo mundo que não conhece a prisão para passear na prisão. Para entender onde está a casa grande e senzala. Sala de diretor bonita, né, tem ar condicionado aqui e ali, mas quando você vai na senzala, você conhece a prisão. E, em sua maioria, são negros e pobres, precisando de apoio jurídico.”

O juiz titular de Execuções Penais da Capital, Evandro de Melo Cabral, afirmou que o Poder Judiciário não está “fechando os olhos” às mazelas das prisões. Ele se colocou a favor da criação de mais vagas para presos, por entender que a superlotação é uma forma de tortura.

O defensor público da União, André Carneiro Leão, participou das inspeções, e recomendou que, num prazo máximo de quinze dias, o Governo providencie lençóis e medicamentos para os pacientes do Hospital Ulysses Pernambucano. Ele cobrou um cronograma de execução dessas medidas pelo Governo. A defensora pública estadual Micheline Lobato denunciou que a principal carência da população privada de liberdade é o atendimento jurídico. Ela questionou a política de encarceramento estadual. “Itaquitinga 1 é isso. Não tem água, não tem esgoto. E agora a gente vai inaugurar Araçoiaba daqui há quatro meses. Como? Né… como? E abrindo vagas, será que a gente vai remanejar essas pessoas ou a gente só vai encher mais de gente lá dentro? Não é isso? É o que me parece, pela política de encarceramento.”

Representando o Governo Estadual, a secretária de Justiça e Direitos Humanos, Joana Figueiredo, sinalizou o consenso sobre a nomeação de seis peritos técnicos para o monitoramento do sistema prisional. Ela se colocou à disposição para dialogar com a sociedade civil e demais Poderes, e para cobrar celeridade na adoção das medidas recomendadas.

A deputada Rosa Amorim, do PT, informou que deu entrada em um projeto de lei para retomar o Mecanismo Estadual de Combate à Tortura. Ela ainda denunciou o caráter punitivo e repressivo da PEC das Drogas, aprovada no Senado, que criminaliza a posse ou porte de qualquer quantidade de entorpecentes.

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