“Ele estudou para quê? Para ser bicho, monstro ou médico?”, diz vítima de anestesista preso

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A investigação teve início em dezembro do ano passado, após compartilhamento de informações da Polícia Federal. Ao examinar milhares de fotos e vídeos de pornografia infantil armazenados na nuvem pelo suspeito, que é médico, os agentes encontraram dois registros em que ele filmava a si mesmo abusando de pacientes adultas.

Uma operação da Polícia Civil prendeu na última segunda-feira (16), em sua casa, na Barra da Tijuca, o anestesista colombiano Andres Eduardo Oñate Carrilo, de 32 anos, acusado de estuprar ao menos duas mulheres sedadas durante procedimentos cirúrgicos. Uma das vítimas viu as imagens do abuso que sofreu: “Ele estudou para quê? Para ser bicho, para ser monstro? Ou ele estudou para ser médico?”, questionou.

O caso guarda mórbida semelhança com o de Giovanni Quintella Bezerra, anestesista preso no ano passado após abusar de uma paciente na sala de parto. Mas Carrilo, que trabalhou em unidades de saúde públicas e privadas do Rio, também é investigado pelo armazenamento de conteúdo ligado a pornografia infantil.

As evidências de crimes cometidos contra as duas mulheres, ambas na mesa de cirurgia e aparentemente desacordadas, foram gravadas por celular e estavam armazenadas na nuvem. Uma das vítimas foi operada no Hospital Estadual dos Lagos Nossa Senhora de Nazareth, em Saquarema, em dezembro de 2020.

Segundo a Secretaria estadual de Saúde, o médico deixou de atuar na unidade em setembro de 2021. Em nota, o órgão informou que “já solicitou à direção da unidade hospitalar todos os dados e prontuários do período em que o médico trabalhou como prestador de serviço e vai instaurar uma sindicância para apurar as devidas responsabilidades”.

A segunda vítima foi uma paciente do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, administrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Fundão, Ilha do Governador. Ela estava internada para retirar o útero, em fevereiro de 2021, e se reconheceu nas imagens e lembra que estranhou ficar muito tempo desacordada após o procedimento, cerca de duas horas a mais que sua irmã, que havia feito a mesma cirurgia.

— Na hora que o policial me chamou, eu achei que era um golpe, não era possível. Sabe quando parece que você está vivendo um pesadelo? Ele perguntou: “Você quer ver a cena?”. Eu falei que sim, para ter certeza do que aconteceu comigo. Ele falou assim: “Eu vou te mostrar só uma cena”. E era eu na cena — contou a mulher ao RJTV, da TV Globo:

— Eu lembro que minha filha ficava fazendo perguntas. Por que a minha mãe está assim? Aí, o doutor falou: tem um tipo de cirurgia que a gente tem que dar um pouco mais de anestesia porque é prolongada, foi a cirurgia da tua mãe. Ele estudou para quê? Para ser bicho, para ser monstro? Ou ele estudou para ser médico? Porque para mim um homem desses não é médico, não. Para mim, uma pessoa dessas é um monstro — completou.

Em nota, o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho disse que Andres “ingressou em um curso técnico-prático (semelhante a uma especialização) em março de 2018 e concluiu em fevereiro de 2021” e que o curso realizado “resulta em um certificado que permite a ele participar de cirurgias e/ou procedimentos sempre com a supervisão de um profissional responsável”.

A Justiça expediu mandado de prisão temporária por 30 dias e busca e apreensão contra Andres na ação que o investiga por estupro de vulnerável. Após a operação, o Ministério Público pediu a prisão preventiva. Em outro inquérito, a Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav) o investiga também por produzir e armazenar pornografia infantil.

Ele mantinha arquivadas mais de 20 mil imagens de abuso sexual envolvendo crianças a adolescentes. A análise do material chamou atenção pela gravidade e quantidade de arquivos, que incluíam até bebês com menos de 1 ano.

— É um arquivo extremamente violento, em grande quantidade. Podiam ser vistos bebês de colo, de menos de 1 ano, sendo abusados sexualmente, sendo obrigado a participar de sexo com adultos. Algo que chocou até mesmo agentes mais experientes — explicou o delegado Luiz Henrique Marques Pereira, titular da Dcav. — Pesquisando esses conteúdos, foram encontrados dois vídeos em que esse suspeito ainda estuprou duas pacientes durante o procedimento de anestesia pré-cirúrgico. No decorrer das investigações, a polícia espera encontrar outras vítimas.

Na próxima etapa da investigação, os celulares e computadores de Andres serão periciados em busca de provas que possam ter sido apagadas. A polícia também apura se ele se passava por criança nas redes sociais em um perfil falso para aliciar menores.

Segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do governo federal, Andres Carrilo trabalhou na rede SUS somente no Hospital Universitário Pedro Ernesto, administrado pela Universidade Estadual do Rio (Uerj). Desde maio de 2022, ele era contratado pela unidade por tempo determinado para serviços de anestesista. Procurada, a unidade não retornou os contatos.

O Conselho Regional de Medicina (Cremerj) abriu uma sindicância contra o médico colombiano. De acordo com o órgão, “na época dos casos citados, Andres não possuía CRM e atuava de forma irregular, fato que também será apurado junto às unidades de saúde mencionadas”.

O Conselho considerou as acusações gravíssimas e disse que o caso será apurado com todo rigor e acelera os trâmites para interditar cautelarmente seu registro. Ao fim da investigação ele pode ter o CRM cassado.

Em depoimento à Polícia Civil, Andres Carrillo admitiu que é ele nas imagens abusando sexualmente das duas pacientes. Aos investigadores, contou que se formou em medicina na Colômbia em 2015 e veio ao Brasil dois anos depois para fazer sua especialização em anestesia.

O médico afirmou não saber o motivo pelo qual “nutriu dentro de si a compulsão em ver e armazenar pornografia infanto-juvenil” e disse que nunca abusou sexualmente de crianças. Para ter acesso às imagens, buscava em plataformas de vídeos termos relacionados a pornografia infantil e acessava grupos de aplicativos sobre o tema.

Sobre o estupro de pacientes, o anestesista contou aproveitar o “momento em que estivesse sozinho” para cometer o crime, explicou que “no caso do Hospital dos Lagos não era o anestesista responsável, mas é comum que os médicos tenham acesso às pacientes no momento da pré e pós cirurgia”; e que “não se recorda do momento exato, mas deletou os arquivos de pornografia que estavam na sua posse com receio de ser preso”.

A Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav) investiga se o médico fez outras vítimas. Algumas poderão surgir surgir após a identificação de pessoas no material apreendido.

—Ele é um criminoso em série. Ele não é só um estuprador, também é pedófilo — afirma o delegado Luiz Henrique Marques Pereira. — Criminosos dessa natureza não costumam cometer apenas um crime.

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