Pernambuco tem maior superlotação carcerária do Brasil, com quase três presos para cada vaga

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Pernambuco tem a maior superlotação carcerária do Brasil. Isso significa que o estado possui o maior número de presos proporcionalmente ao número de vagas. Atualmente, são 11.767 lugares nas 23 unidades prisionais, onde estão 32.781 presos em regime fechado. Considerando todos os regimes, são 40.190 detentos.

Em média, com base nas vagas disponíveis e no número de presos no regime fechado, há 2,78 pessoas para cada lugar. A quantidade de detentos é 178,6% maior que a capacidade dos presídios e penitenciárias.

Os números fazem parte de um novo levantamento feito pelo Monitor da Violência. O trabalho é uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Em 2018, esse índice era de 181% em Pernambuco. O percentual, apesar da redução, continua sendo o maior entre as 27 unidades federativas do país.

O déficit total é de 21.014 vagas. Entre 2018 e 2019, o estado chegou a aumentar em 926 vagas a capacidade do sistema prisional, que passou a comportar de 10.841 para 11.767 detentos. Apesar disso, o número de presos também aumentou, passando de 30.447 para 32.781.

Ou seja, o aumento de 8,54% na quantidade de vagas nos presídios e penitenciárias não foi suficiente para reduzir de forma incisiva o déficit carcerário, já que a população presa aumentou 7,66%.

O número de presos que trabalham nas unidades prisionais, considerando todos os regimes, representa 6% do total. O trabalho desenvolvido pelos reeducandos na prisão é considerado um dos pontos principais para a ressocialização, porque além de permitir que o preso receba remuneração, dá o direito de diminuição da pena. No Brasil, o estado fica na sexta pior posição no ranking de percentual de presos desenvolvendo atividades laborais.

Quanto aos presos que estudam, no entanto, o estado chega a 15,2% da população carcerária, acima dos 12,6% da média nacional. São 6.126 estudantes entre os 40.190 reeducandos de todos os regimes. Assim, Pernambuco fica com o oitavo melhor resultado do país.

Direitos humanos
Pesquisadora da Justiça Global, órgão de defesa aos direitos humanos que atua como peticionário da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Monique Cruz afirma que muitas violações de direitos humanos são registradas nos presídios de Pernambuco por causa da superlotação.

Isso ocasiona condições muito ruins de alojamento, saneamento básico, ventilação e a incidência de crimes nas unidades prisionais. O que ocorre em Pernambuco é uma execução da pena de forma antijurídica, porque ultrapassa a garantia de direitos humanos como camas e acesso a banhos de sol“, diz Monique.

A situação de Pernambuco, para a CIDH, é peculiar por ser o único estado em que detentos atuam como chaveiros (presos que tomam conta das celas). Segundo Monique, esse é um dos pontos principais citados por uma resolução divulgada no fim de 2018 pela Corte, pedindo que o estado proíba a entrada de novos detentos no Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife.

Uma chave, num presídio, significa muita coisa e, por isso, nenhuma pessoa privada de liberdade pode atuar como agente disciplinar. São pessoas com domínio de abrir e fechar certos portões e isso é uma resposta à falta de agentes penitenciários. A figura do chaveiro vai muito além disso. Tem a ver, inclusive, com a entrada de armamento e crimes no presídio“, diz.

No estado, segundo o Sindicato dos Agentes Penitenciários do estado (Sindasp-PE), há 1.488 profissionais em atuação e outros 157 devem tomar posse até junho. A média é de 22 presos por agente. Em 2018, a situação era a pior do Brasil, com uma média de 20,1 presos por agente.

Para Monique, a falta de agentes penitenciários também afeta diretamente a garantia de direitos constitucionais dos reeducandos. Consequentemente, todo o processo de ressocialização acaba sendo comprometido. A falta de informações sobre a população encarcerada também contribui para o quadro, segundo ela.

Os agentes são responsáveis pela função privativa, pela circulação dos presos e seu acesso à Justiça, saúde, até comida. Se falta agente, esses direitos não são cumpridos. Isso para falar do mais simples, porque a segurança das unidades fica precária. Como o estado mantém o controle de um presídio com milhares de detentos com quatro agentes por plantão?“, questiona a pesquisadora.

Complexo Prisional do Curado
O Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife, é um símbolo do que se tornou a situação prisional em Pernambuco. Nele, estão localizados três presídios, os únicos voltados a homens na capital pernambucana.

O histórico de rebeliões, mortes e violações de direitos humanos é antigo, desde quando, no local, funcionava o Presídio Aníbal Bruno, construído em 1979, justamente para tentar acabar com a superlotação. A decisão de dividi-lo em três presídios foi tomada em 2012, no governo de Eduardo Campos (2007 a 2013), mas os problemas não foram resolvidos.

Segundo a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), 5.500 homens dividem, atualmente, um espaço construído para 1.819 pessoas. No fim de 2018, junto com a proibição de novos reeducandos no local, a CIDH pediu que o governo criasse uma equipe de especialistas para analisar a situação dos presos do complexo, entre eles psicólogos e assistentes sociais.

Comitivas da Organização de Estados Americanos (OEA) também fizeram visitas ao Complexo do Curado e constataram problemas como superlotação e entrada de armas. Também foram convocadas audiências para explicar a onda de violência e rebeliões dentro dos presídios, em 2015.

Em janeiro de 2017, o Governo de Pernambuco recebeu uma notificação para apresentar ao Ministério Público Federal (MPF) um programa de reestruturação dos setores do Complexo Prisional do Curado.

Secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, pasta à qual a Seres está vinculada, Pedro Eurico informou que respeita as orientações da Corte e que algumas das recomendações foram atendidas, mas que o fechamento do Complexo do Curado para novos presos é impossível, justamente por causa do déficit de vagas no sistema prisional como um todo.

Fizemos uma muralha externa e recuperamos boa parte dos pavilhões, mas se fosse para tirar o Complexo do Curado, teríamos que construir dez novos presídios. Se cada um custa R$ 40 milhões, seriam R$ 400 milhões. Esse dinheiro não existe. Estamos reduzindo gradativamente a entrada e fazendo transferências do local, mas proibir a entrada de vez é sonho de uma noite de verão“, afirma Pedro Eurico.

Ainda segundo Pedro Eurico, o estado pretende, até o fim do mandato do governador Paulo Câmara (PSB), construir seis mil novas vagas no sistema prisional.

Estamos construindo o Complexo de Araçoiaba, com 2.700 vagas; Temos Itaquitinga 2, com mil vagas; concluímos Itaquitinga 1, com outras mil; estamos construindo um novo pavilhão de segurança máxima com 90 vagas em Igarassu“, afirmou.

Eurico enumerou também ações em outras cidades do interior. “Concluímos, agora, a cadeia de Garanhuns (Agreste), com 200 vagas, e estamos com construções em Palmares (Mata Sul), com 176 vagas, e Caruaru (Agreste), com 700 vagas“, declara.

Judiciário
Para Monique Cruz, as alternativas para uma melhoria no sistema prisional vão além das grades dos presídios e penitenciárias. Ela afirma que uma opção é que o Judiciário adote outras formas de punição, para além da reclusão.

No Brasil, cerca de 41% das pessoas presas não têm condenação e, em Pernambuco, isso gira em torno de 51%. A gente pode tentar trabalhar por aí. Isso é um efeito do Judiciário escolher como primeira opção o encarceramento, quando há penas alternativas. A construção de presídios não é uma opção. Temos possibilidades concretas de tirar as pessoas da prisão“, afirma.

Para o professor de direito penitenciário Adeildo Nunes, que durante 15 anos atuou como juiz de execução penal em Pernambuco, o aumento de prisões nos anos 2000 e a falta de novas unidades agravaram o problema.

Ele cita o programa Pacto pela Vida, criado na gestão do falecido ex-governador Eduardo Campos, como um dos causadores da superlotação.

O Pacto pela Vida só se preocupou em efetivar prisões, sem demonstrar preocupação com a criação de vagas nos presídios. Em 2000, o estado tinha 6 mil presos e, em 2010, eles já eram 25 mil. Até hoje, o policial que prende, recebe uma gratificação. Erros na parceria publico-privada para a construção do presídio de Itaquitinga, ainda hoje inacabado, deram causa ao caos penitenciários“, diz.

Adeildo também afirma que penas alternativas podem ser utilizadas para diminuir a população carcerária. Segundo ele, medidas substitutivas da prisão existem desde 2011 e não são usadas pelos juízes e tribunais.

Pena é a perda da liberdade, não da dignidade. Para a caótica situação carcerária, seriam oportunos o cumprimento da lei de execução penal; a punição para autoridades públicas que descumprissem a lei que trata dos direitos do preso; escolas, trabalho, assistência jurídica e reaproximação familiar para os presos e o uso das alternativas penais para crimes de até 6 anos de prisão“, afirma.

Para Adeildo, a redução da criminalidade está na certeza da punição, mas aumentar penas e criar novos tipos penais agravam o quadro da criminalidade.

O estado e a sociedade querem mais que a restrição de liberdade e, se possível, o uso dos castigos físico, moral e mental. ‘Bandido bom é bandido morto’, dizem os analfabetos sociais. Este pensamento desumano faz com que queiramos antecipar a pena com o uso abusivo das prisões preventivas, que se eternizam. O Congresso só aprova novos crimes, aumenta penas, quer reduzir a maioridade penal, sem se preocupar com a classe prisional, que já atingiu os 800 mil reclusos“, declara.

G1

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